Um terreno no município de Cotia, a 34 quilômetros de São Paulo, está sob suspeita de receber lixo clandestino. Moradores relatam que caminhões despejam resíduos orgânicos e entulho na área. Eles reclamam do mau cheiro, da infestação por mosquitos e baratas, além de buracos nas estradas vicinais, provocados pelos veículos pesados.
O material, que atinge inclusive uma área de preservação permanente (APP), continua sendo despejado mesmo depois de o proprietário ter assinado um termo de ajuste de conduta (TAC), em dezembro.
A movimentação intensa de caminhões pesados passou a ser notada pelos moradores do bairro dos Pitas há seis meses. Os veículos seguiam todos para uma mesma área particular de 4 hectares, entre as Ruas Nova York e Filadélfia. O local, cercado por muitas árvores e fauna diversificada, abriga remanescentes da Mata Atlântica.
Um morador do condomínio Granja Caiapiá, que preferiu não ser identificado com medo de represálias, relembra o que viu: "Colocam 3, 4 caminhões de chorume e depois colocam resto de construção e restos de obra por cima do chorume. Estão escondendo o que estão fazendo lá. A polícia vira as costas e eles descarregam os caminhões que faltam descarregar."
A mesma situação foi presenciada por um casal que mora no condomínio ao lado do terreno e que também preferiu não se identificar. "Vi lixo chegando, como se fosse do Tietê. Parece que tem lixo orgânico, realmente é terrível", diz o morador. No condomínio de oito casas onde vive o casal, três já foram colocadas à venda por causa da situação.
Há três anos, marido e mulher decidiram deixar o bairro do Morumbi, na capital, para viver em Cotia. "A gente resolveu ter um pouco mais de qualidade de vida e agora temos um tormento na nossa vida que é essa obra. Antigamente não tinha mosca, não tinha barata. Agora tem de tudo: mosca, barata pernilongo." Segundo estimam os moradores, o número de veículos que entram e saem do terreno varia entre 40 e 60 diariamente.
No fim do ano passado, a Polícia Militar Ambiental foi acionada e detectou movimentação de terra e entulho. O material atingiu, segundo a polícia, 330 m2 de APP. Os agentes não encontraram lixo comum, mas o proprietário não tinha sequer autorização para despejar restos de construção no local. Autuado em flagrante, o dono do terreno assinou um TAC com o Ministério Público do Estado no dia 5 de dezembro, comprometendo-se a paralisar imediatamente as atividades de despejo.
Mas não é o que está acontecendo, de acordo com o presidente da Associação Ecotia, Fábio de Morais. A entidade foi fundada pelos moradores indignados com a situação.
O comandante da Polícia Militar Ambiental na região, Fernando Janez, confirma que o terreno já foi autuado três vezes por depósito de entulho. O tenente admite que a fiscalização é "meramente visual" e que, se o lixo foi depositado em uma profundidade significativa, não há como detectar. Ele afirma que a estratégia de alternar camadas de lixo e de terra pode ser adotada para confundir a fiscalização.
Se for constatado o despejo de material contaminante no solo, o artigo 54 da lei 9.605 prevê até quatro anos de prisão, porém a pena pode ser passível de fiança ou revertida para serviços à comunidade. A reportagem tentou contatar o proprietário do terreno, mas ele não atendeu às ligações. Em nota, a prefeitura de Cotia afirma que o local não é um "aterro clandestino", mas uma obra de terraplanagem com deposição de terra, para a qual a propriedade tem licença.
Para entender: Área deve ser preservada
A área de preservação permanente (APP) é definida pelo Código Florestal Brasileiro como uma região onde a mata nativa das margens de rios, lagos e nascentes deve ser protegida. No caso de rios de até 10 metros de largura, por exemplo, a preservação da mata ciliar deve se estender por pelo menos 30 metros. O uso desta área para atividades econômicas deve submeter-se às regras do Código Florestal. O desrespeito às regras está sujeito a punições.