DE SÃO PAULO
"Escuta! Escuta! Está ouvindo?", insistia a moradora de um condomínio de Moema, zona sul paulistana. Mas só havia o silêncio absoluto.
Das 2h às 4h da madrugada, o síndico profissional Aldo Busuletti, 49, se viu sentado no sofá do apartamento da moradora, à espera dos barulhos que o vizinho de cima sempre provocava, segundo ela. Não ouviu nada.
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Antes disso, Aldo já havia advertido e multado o morador de cima (R$ 380), atendendo às reclamações incessantes da vizinha. Como não funcionou, decidiu testemunhar os ruídos e se deslocou de Santana, a 14 km de distância, até aquele sofá.
| Karime Xavier/Folhapress | |
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O síndico profissional Aldo Busuletti, que lida com reclamações sobre barulhos |
"Tive que pedir desculpas ao morador de cima, retirar sua multa e converter em advertência para a moradora que sempre reclamava."
Assim como ele, outros síndicos e administradoras responsáveis por 1.500 dos cerca de 20 mil condomínios na capital paulista ouvidos pela
Folha estimam que até um terço das reclamações de barulho --as campeãs em todos os condomínios-- sejam fruto da imaginação.
"Acho que a pessoa trabalha o dia inteiro na rua, ouve tanta buzina e agito, que à noite sonha com barulho", analisa Aldo, que gerencia 37 condomínios da cidade e atua como síndico profissional há 20 anos. "É estresse."
O psiquiatra Elko Perissinotti, do Hospital das Clínicas da USP, atribui os "ruídos fantasmagóricos" ao "estresse, angústia, depressão e frustrações" das pessoas.
HIDROMASSAGEMOs barulhos "imaginários" mais comumente ouvidos são o arrastar de móveis ou saltos de sapato batendo no chão, madrugada adentro.
Mas a reportagem ouviu casos que vão de banheira de hidromassagem à TV em volume muito alto.
Há vizinhos que chegam a chamar a polícia ou até brigam fisicamente.
Para tentar contornar o problema, os síndicos apelam para várias táticas. Alguns chegam a inspecionar os apartamentos, em busca da fonte dos barulhos.
Segundo Márcia Romão, gerente de relacionamento da Lello Condomínios, não é incomum que o "reclamão" acabe, ele próprio, multado por perturbação do sossego.
José Roberto Iampolsky,
diretor-geral da Paris Condomínios, diz que, quando o síndico não sabe como resolver o impasse, ele pode convocar uma assembleia extraordinária para que os condôminos julguem, após ouvir os envolvidos.
"No fim, até os dois vizinhos podem ser multados", explica.
13/10/2012-04h00
Análise: Quem tem menos prazer e lazer quer mais é destruir o prazer do outro
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1168674-analise-quem-tem-menos-prazer-e-lazer-quer-mais-e-destruir-o-prazer-do-outro.shtml
ELKO PERISSINOTTI é psicanalista, psiquiatra e vice-diretor do Hospital-Dia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Viver em condomínios não difere em nada da vida em família, no trabalho, no lazer.
Os desentendimentos dizem respeito ao campo da cultura, da civilização, da história do homem e de seu tempo.
30% das queixas de barulho não existem, dizem síndico
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Barulhos de quaisquer espécies, intensos ou pequenos ruídos, verdadeiros ou imaginários, ativam nossos focos de ira e intolerância; podemos dizer, egocentrismo e autoritarismo, ou ainda, narcisismo narcotizado com autoamputação existencial e inveja.
Pouco importa se a festa do vizinho é escandalosa ou bem comportada, se é antes ou depois das 22h, o fato é que quanto menos prazer e lazer temos na vida, mais temos que destruir o do outro.
Pior ainda, se forem jovens e mulheres bonitas festejando, pois aí nos vem a imagem da maconha e do bacanal que nunca tivemos; "toda uma vida que poderia ter sido e que não foi" (Manuel Bandeira).
Nem sei se deveríamos falar das grandes importunações, uma vez que a falta de limites e respeito é tão óbvia que tangencia o comportamento psicopático perverso.
Mas o que dizer das queixas do barulho do salto alto da moça do andar superior que está chegando de uma festa, ou mesmo indo para o trabalho? Quantos segundos dura esse ruído (invejado) entre o quarto e a porta de saída?
Os maus-tratos da solidão e do inexorável sofrimento humano nos deixam enlouquecidos e quem paga a conta de nossas contradições é sempre o vizinho.
Qualidade de vida sem pequenos ruídos (mesmo os das profundezas do inconsciente) não existe.