http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1147138-nao-quero-ser-rotulado-pelo-simbolo-da-reciclagem-diz-designer.shtml
Estudei engenharia na Universidade do Sul da Califórnia em um período nos EUA em que treinar jovens engenheiros era uma prioridade.
Foi nos anos que se seguiram ao Sputnik, e a filosofia era a de que o país corria risco de ficar para trás da Rússia na arena técnica. Isso posto, acabei trocando de curso e fui estudar arquitetura, que era mais tangível. Formei-me em 1971, e entrei no mestrado.
Foi mais ou menos nessa época que vi um cartaz divulgando um concurso para criar um símbolo que representasse o papel reciclado. Um dos meus cursos havia sido de design gráfico, por isso achei que podia arriscar.
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Gary Anderson, à direita, com o famoso triângulo de três setas, símbolo criado pelo arquiteto nos anos 1970 |
Não demorei muito a criar meu design --um dia ou dois. Odeio admitir, mas já tinha feito uma apresentação sobre papel reciclado e criado um gráfico do fluxo da água, por isso já tinha em mente as setas, arcos e ângulos.
O problema com meu design inicial era que ele parecia chato, bidimensional. Quando decidi me inscrever no concurso, lembrei de uma visita que tinha feito com a escola à gráfica de um jornal, onde vimos o papel acomodado àqueles grandes rolos de impressão.
Aquela imagem me inspirou --as três setas de meu esboço final pareciam tiras de papel. Eu as desenhei a lápis, depois tracei os contornos com tinta preta. Hoje, com os softwares gráficos, é raro um design seco como aquele.
Se me entusiasmei? Bem, sim --mas não muito. Acho que, àquela altura da vida, eu me achava importante demais. Parecia-me evidente que ganharia o concurso!
Quando concluí meus estudos, que queria trabalhar com planejamento urbano e me mudei para Los Angeles.
Realmente minimizava minha vitória naquele concurso. Tinha medo de que ela me fizesse parecer mais um designer que um planejador urbano. Nem a mencionava em meu currículo.
O símbolo tampouco ganhou força na hora. Lembro de tê-lo visto na fatura de um banco, mas depois ele desapareceu. Anos depois, em certo verão, viajei a Amsterdã de férias, e jamais vou me esquecer: ao desembarcar do avião, vi o meu símbolo, em um grande receptáculo para reciclagem em formato de iglu.
E o desenho era enorme! Fiquei realmente impressionado: tinha tirado aquele símbolo da memória por anos, e lá estava ele, na minha cara. Isso aconteceu há muito tempo. Depois, fiz meu doutorado e trabalhei para algumas empresas.
No momento, comando a filial de Baltimore de uma pequena companhia que trabalha para o Departamento de Defesa, o que é estranho, porque, quando jovem, eu não gostava dos militares.
Com relação ao movimento ambiental, tenho de admitir que minha carreira em geral esteve mais concentrada em pagar as contas.
No meu trabalho é ocasionalmente frustrante esbarrar em regulamentações ambientais. Não me entenda mal: é bom que elas existam. Mas excesso de regulamentação pode sufocar a inovação.
Hoje, me sinto mais próximo ao símbolo da reciclagem do que no passado. Talvez ele seja parte maior do que eu imaginava de minha contribuição ao mundo, mas ainda assim não gosto de imaginar que toda a minha vida de trabalho será definida por ele.
Fiz mais do que criar o símbolo da reciclagem.
Texto de Katie Engelhart, tradução de Paulo Migliacci.