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A Souza Cruz poderá manter trabalhadores no chamado painel sensorial de avaliação de cigarros. A decisão é do Tribunal Superior do Trabalho. A maioria dos ministros seguiu a divergência aberta pelo ministro Ives Gandra Martins Filho, no sentido de que a atividade, sendo lícita e regulamentada, não poderia ser proibida. Também por maioria, a indenização por dano moral coletivo fixada pela Justiça do Trabalho da 1ª Região, no valor de R$ 1 milhão, foi confirmada.
O recurso de Embargos julgado pela Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais teve origem com uma Ação Civil Pública proposta em 2003 pelo Ministério Público do Trabalho da 1ª Região a partir de ação individual movida por um ex-empregado da Souza Cruz. Ele cobrou, na Justiça comum, indenização por problemas de saúde decorrentes de serviços no painel sensorial. A 15ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro condenou a empresa a deixar de contratar os provadores, a prestar-lhes assistência médica por 30 anos e a pagar indenização por danos morais difusos e coletivos.
A condenação foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. A 7ª Turma do TST manteve a proibição, mas afastou a indenização. Tanto a empresa quanto o Ministério Público interpuseram Embargos à SDI-1 — a empresa buscando suspender a proibição e o MP defendendo o restabelecimento da indenização.
Cobaias humanas
Para o Ministério Público do Trabalho, o termo "painel sensorial" é apenas um "nome fantasia" para o que, na prática, seria "uma brigada de provadores de tabaco", que provam cigarros da Souza Cruz e dos concorrentes com a finalidade de aprimorar o produto comercialmente. Embora a fabricação e o consumo de cigarros sejam lícitos, trata-se de atividade "sabidamente nociva à espécie humana". A submissão de empregados ao painel sensorial, portanto, configuraria conduta ofensiva à saúde e à vida dos trabalhadores.
Para o Ministério Público, a saúde do trabalhador e o meio ambiente de trabalho são direitos sociais garantidos pela Constituição e de cumprimento obrigatório pelo empregador, e os princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho têm de ser conciliados. Outro fundamento usado foram as Convenções da Organização Internacional do Trabalho que tratam diretamente da saúde dos trabalhadores (Convenções 148, 155 e 161, todas ratificadas pelo Brasil). O país também é signatário da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Para o MPT, a empresa, na condição de fabricante de cigarros, "anda na contramão do movimento nacional e internacional" contra os riscos do tabaco. Mais do que isso, porém, ao contratar os provadores, estaria promovendo "pesquisas envolvendo seres humanos sem observância das normas legais" e utilizando "empregados como cobaias".
Atividade lícita
A Souza Cruz afirmou que a avaliação de cigarros é essencial para garantir a uniformidade do produto, e a técnica do painel sensorial é usada internacionalmente. A proibição, imposta somente a ela e não às empresas concorrentes, afetaria sua posição no mercado. Segundo a defesa da empresa, a legislação brasileira não opta pela proibição quando há risco na atividade, e sim pelo acréscimo remuneratório.
Destacou, entre outros aspectos, que a adesão ao painel sensorial é voluntária e restrita aos maiores de idade e fumantes. Além disso, não integra o contrato de emprego, e tem natureza jurídica de prestação de serviços. Ainda segundo a empresa, a proibição, na prática, enquadrou a atividade como insalubre sem a observância dos requisitos previstos na Consolidação das Leis de Trabalho (artigos 189 e 195) e sem que ela conste da Norma Regulamentadora 15 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Além disso, segundo a empresa, a atividade é reconhecida pelo MTE no Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO) nas classificações 1246-10 (blender de cigarros) e 8422-35 (degustador de charutos).
Para o fabricante de cigarros, a decisão violou diversos dispositivos e princípios constitucionais, entre eles o da livre iniciativa (artigo 1º, inciso IV), o da separação dos Poderes (artigo 2º), o do livre exercício profissional (artigo 5º, inciso XIII) e do direito ao trabalho (artigo 6º).
SDI-1
Os Embargos começaram a ser julgados em agosto de 2012. O relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho, não conheceu do recurso da Souza Cruz, mantendo a proibição e restabelecendo a indenização por dano moral coletivo.
Entre outros fundamentos, o voto do relator destaca a existência de uma norma jurídica supralegal — a Convenção-Quadro da OMS — pela qual o Brasil se obriga a adotar medidas eficazes contra a exposição do tabaco em locais fechados de trabalho.
No seu entendimento, portanto, não apenas os trabalhadores, mas também "a empresa que os contrata para experimentar cigarros em recinto fechado, em detrimento da Lei Antifumo e dos preceitos constitucionais e supralegais já referidos, expõe-se à sanção legal", afirmou.
Divergência
O ministro Ives Gandra Martins Filho abriu a divergência que seria seguida pela maioria. Ele acolheu os argumentos da Souza Cruz de que o painel sensorial, essencial para a empresa fazer o controle de qualidade de sua produção, não pode ser desempenhado por máquinas. "Não se conseguirá dar padrão de qualidade sem a atividade humana", observou.
O ministro destacou também o fato de o provador ser voluntário, exercer a atividade durante meia hora pela manhã e meia hora à tarde, e ser fumante, uma das condições impostas pela empresa. "Este empregado está sendo mais prejudicado por desenvolver a atividade?", questionou. "O prejuízo já existe pelo fato de ele ser fumante".
Pesou na fundamentação do voto divergente, também, o fato de a atividade ser regulamentada pelo Ministério do Trabalho e estar sujeita a limites legais, e de o fumo não ser proibido. "Se se admite o fumo, não podemos impedir que essa atividade seja desenvolvida por um empregado voluntariamente, de forma limitada", assinalou. Para o ministro Ives, a intervenção do Ministério Público numa situação em que as partes envolvidas — estado, empregados e empregadores — estão de acordo seria indevida.
Ele traçou um paralelo com a atividade dos mergulhadores de plataformas de petróleo, "sujeitos a condições muito piores" que a dos provadores de cigarro — um dos argumentos levantados pela Souza Cruz em sua defesa.
Na sessão desta quinta-feira (21/2), o TST deu provimento aos Embargos da empresa e reformou condenação que impôs a obrigação de não mais contratar trabalhadores para essa atividade. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
RR – 120300-89.2003.5.01.0015