Intervenções em córregos e rios urbanos se mostram necessárias quando se tornam frequentes eventos como enchentes, solapamento das margens e erosão, com assoreamento do curso d'água. "Quase sempre as cidades crescem dos vales para as regiões mais altas. A ocupação de partes mais altas da bacia faz com que o sistema de drenagem das regiões mais antigas da cidade torne-se insuficiente. É preciso, então, adotar alguma medida de controle na fonte", explica Aluísio Canholi, diretor da Hidrostudio, empresa que atua nas áreas de recursos hídricos, drenagem urbana e saneamento básico.
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Área com baixa urbanização no entorno do Rio Perus permitiu um planejamento adequado de drenagem para a região |
O plano diretor de macrodrenagem é o instrumento que deve basear as medidas de controle que serão tomadas. A canalização dos cursos d'água é procedimento comum nos centros urbanos, desde a segunda metade do século 20. Entretanto, sempre que possível, deve ser evitada, já que a retificação do rio e a aplicação de revestimento liso, como concreto, aumentam a velocidade de escoamento da água. "Quando aumenta a velocidade, aumentam também os picos de vazão, por uma questão hidrológica, o que causa um grande impacto a jusante", afirma Canholi.
Segundo o engenheiro, a canalização ainda é um "mal necessário" em muitas situações, já que em áreas urbanas há grande impermeabilização do solo, o que aumenta o volume da água que vai para o córrego, durante as chuvas. "Isso faz com que seja preciso aumentar a capacidade de vazão do córrego, tornando necessária a canalização."
Alternativas
Mas há metodologias inovadoras que não provocam os danos típicos da canalização tradicional. "Um conceito mais atual é fazer uma canalização bem menos radical, com revestimentos permeáveis, mantendo a curva do rio, sem reduzir os tempos de concentração (tempo que transcorre entre o início da chuva e a chegada da maior vazão ao córrego)", indica Canholi.
Não havendo muita restrição de espaço, é recomendável lançar mão de métodos e materiais que não acarretem velocidades muito altas e que não interfiram no nível freático. Revestimentos mais rugosos, como gabião e pedra argamassada, são algumas das possibilidades. "E também buscar reduzir as vazões que chegam aos córregos por outros dispositivos, obras ou equipamentos que aumentem a capacidade de infiltração na bacia. Há várias formas de fazer isso: ampliar as áreas verdes, fazer valetas de infiltração, reservatórios (piscinões). Isso ajuda a reduzir a água que vai para o canal", acrescenta Canholi.
Uma intervenção desse tipo foi projetada pela Hidrostudio desde o começo de 2010, para ser aplicada no distrito de Perus, na região noroeste da cidade de São Paulo. O ribeirão Perus atravessa, em sua maior parte, uma área com urbanização relativamente baixa. Porém, sofreu algumas intervenções no passado, como canalizações estreitas em seu trecho mais central, o que prejudicou a drenagem. "Além disso, o rio corta uma linha férrea e as travessias são muito antigas", descreve o arquiteto Adriano Estevam, da Hidrostudio.
A abundância de espaço determinou as características do projeto. Com exceção da região central do distrito, trata-se de uma área livre. "Na maioria dos casos, em São Paulo, não há uma área como essa disponível. Então é preciso fazer reservatórios mais profundos, com condições ambientais piores, e usar bombeamento. No projeto de Perus, o sistema de drenagem está chegando antes que a urbanização a essa área", compara Estevam.
Dessa forma, foi possível fazer um planejamento adequado. Após a execução da obra, o parque linear do Ribeirão Perus terá um milhão metros quadrados. "Esse é um parque linear enorme - normalmente os parques lineares não têm essa dimensão. O mais comum é que haja apenas o canteiro central da avenida", diz o arquiteto.
O parque linear tem duas funções importantes para o sistema de drenagem: trata-se de uma área livre e, em sua maior parte, permeável, o que aumenta o tempo de escoamento da água da chuva, evitando uma vazão muito grande para o rio. "Além disso, ele restitui a várzea do rio. Quando é a época seca, a vazão do rio é baixa e ele corre pela calha principal. Quando vêm as cheias, a água passa a ocupar parte do parque linear", acrescenta José Roberto Vieira, engenheiro da Hidrostudio.
Em função das cheias, é preciso que haja uma operação controlada do parque linear, de forma que na época das chuvas se façam planos de evacuação, além de manutenção frequente, para que não haja deterioração da área.
Soluções drenantes
O alargamento da calha do ribeirão levará à necessidade de tratar os taludes nos locais onde houver escavação, de maneira que fiquem estáveis. "Normalmente os terrenos são muito ruins e é preciso garantir o funcionamento do sistema, com subida e descida do nível da água sem que tudo seja carreado", aponta Estevam.
Por isso, serão aplicados manta geotêxtil e gabiões nas margens e no curso do rio. "É feita a escavação, para implantar o gabião, e depois se executa o reaterramento. Se as paredes fossem de concreto, a água que vem do lençol freático não teria como passar para o canal e, durante a chuva, subiria até cair por cima, o que não se deseja. Trata-se, por isso, de uma solução drenante", explica Vieira.
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A calha do ribeirão Perus será alargada e aprofundada em alguns pontos. Gabiões serão instalados nas margens e no curso do rio, funcionando como um revestimento mais rugoso que o concreto, normalmente utilizado em canalizações |
No parque linear, os projetistas optaram por utilizar valetas drenantes, em vez do método convencional, com boca de lobo e tubos. "Canaletas com revestimento drenante, enrocamento e gabião permitem que a água sofra uma filtragem no próprio sistema, chegando em melhores condições ao rio", argumenta Estevam.
Na via situada acima do curso do rio, em alguns trechos, serão colocadas escadas hidráulicas, para auxiliar o escoamento das águas superficiais. Nas margens, será feita cobertura com grama e espera-se o surgimento espontâneo de vegetação local.
O parque linear terá uma grande área verde e permeável e abrigará prédios públicos, centro de educação ambiental, quadra poliesportiva, praças e playgrounds. "Haverá uma pista de serviço, no entorno, que nesse caso também será usada como pista de cooper e ciclovia", detalha o arquiteto.
De acordo com Estevam, atualmente os moradores da região andam pela linha do trem. "Agora, as pessoas poderão chegar em casa pela via do parque, com iluminação e infraestrutura adequada."
Travessia
Dois rios se encontram, naquela região, para formar o Perus, em um ponto à frente. Passando por baixo da ferrovia, há atualmente um túnel antigo, que precisará ser refeito. "O túnel é necessário, porque precisamos fazer com que dois reservatórios funcionem como um só. A travessia funcionará nos dois sentidos, dependendo da necessidade. Trata-se de uma estrutura de controle que serve para os dois reservatórios", descreve Adriano Estevam.
O antigo túnel foi posicionado em um nível mais alto. "Como fizemos um sistema que está todo em um nível mais baixo, o túnel também precisou acompanhar", completa. Foi escolhido, para a execução, o método não destrutivo tunnel liner. "A escavação é feita gradativamente, com instalação das aduelas, a cada etapa", explica Vieira. O método permite a execução da travessia sem necessidade de vala a céu aberto.
De acordo com Estevam, por uma questão de disponibilidade de área, foi preciso implantar três células de reservatório de um lado, e apenas uma do outro. "Entretanto, a bacia do lado que tem apenas uma célula também é grande, então foi preciso pensar em uma maneira de compartilhar o reservatório com aquele corpo d'água", explica.
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As barragens serão dotadas de uma galeria, que dará conta da vazão regular do rio. Com as chuvas, a água se acumulará nos reservatórios, escoando aos poucos pelo vertedouro. Trata-se de sistema funcionando por gravidade, sem uso de bombas hidráulicas |
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O túnel ligará dois reservatórios, fazendo com que eles funcionem de maneira conjunta. Sua execução será por método não destrutivo |
Soleiras e reservatórios
Para retardar o escoamento da água pelo ribeirão, foi projetado um sistema de reservatórios no próprio curso do rio. A calha do rio será alargada e aprofundada. Em diferentes pontos, serão instaladas soleiras, feitas de concreto ou de argila compactada, e protegidas da movimentação da água por enrocamento. "A percolação da água pelo maciço da barragem será controlada por um filtro de areia lavada, para evitar erosão", completa o engenheiro José Roberto Vieira.
As barragens serão dotadas de uma galeria, pela qual a água do rio vai correr, nas épocas em que o ribeirão estiver com vazão de base, antes das chuvas. "Começando a chuva e a onda de cheia, a galeria vai deixando de ter capacidade suficiente, e a água vai subindo, barrada pela soleira", expõe Vieira. Nesses momentos, o reservatório se enche de água.
Quando a capacidade de reservação de água chega ao limite máximo, ela começa a extravasar pelo vertedouro. "O vertedouro é como um ladrão, que deixa descarregar a água para que ela não fique pressionando e pondo em risco a barragem", explica Vieira. Nesse ponto, já houve um retardamento do escoamento da água, por meio do sistema, e evitou-se uma cheia mais intensa, a jusante.
Nos reservatórios, serão instalados alguns pilaretes de concreto, com a função de reter materiais sólidos volumosos que são descartados no ribeirão. "É uma forma de preservarmos a galeria a jusante, evitando seu entupimento. De vez em quando, será necessária uma limpeza nesses pontos", diz Vieira.
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Sistema de soleiras e reservatórios será implantado no ribeirão Perus, para retardar o escoamento da água e evitar cheias. O parque linear terá área de cerca de um milhão de metros quadrados e funcionará como uma substituição da várzea original do rio |