No afluente mais importante do rio Paraguaçu, na Bahia, está um trecho onde o garimpo trouxe danos enormes.
Tão perto dessas águas, tem gente que vive com a promessa de irrigação para a propriedade, mas o Paraguaçu é tão generoso que oferece sua beleza natural como fonte de renda.
Conhecer o Paraguaçu é fazer um passeio pela história do Brasil colonial. Quem visita Mucugê logo tem essa sensação. Município bucólico, oito mil habitantes e um ar de nobreza.
O dinheiro dos garimpos levantou casarões e ainda sobrou para dar um pouco de luxo aos mortos. O cemitério mais parece uma obra de arte e foi esculpido caprichosamente em estilo gótico bizantino. Tão raro, que foi tombado pelo patrimônio histórico da Bahia.
O rio Paraguaçu passa ao lado, mas corre escondido entre as montanhas do Sincorá. Aquele filete de água ganhou tanta força que foi capaz de abrir o rochedo das serras.
Para atravessar as montanhas do Sincorá, o Paraguaçu faz um percurso de 60 quilômetros. É o trecho mais acidentado do rio, o mais difícil de conhecer, mas onde se tem uma boa noção da força das águas. Foram milhões de anos furando os rochedos, abrindo caminho em direção ao mar.
O maior obstáculo para conhecer a região a pé são as pedras que rolaram do topo da serra. Muitas desviaram o curso das águas e dificultam a caminhada. Pedrinhas menores, os seixos, estão por toda a parte. Esse trecho do leito do Paraguaçu já enriqueceu muita gente nos bons tempos do diamante.
Com a caminhada, os obstáculos vão aumentando. Sem equipamentos de segurança é impossível continuar. Dos 60 quilômetros de montanhas que o Paraguaçu sai rasgando, nossa equipe percorreu menos de dez.
Para compensar, a equipe do Globo Rural pode tomar banho em um poço secreto do Paraguaçu. Apesar da beleza do poço, os guias de turismo da região têm receio de incluir esse pedaço do rio em passeios com turistas. “Esse trecho do rio Paraguaçu para nós é um tesouro. Quanto mais escondido ele ficar, mais preservado ele vai ser”, acredita o guia Ednilson.
O garimpeiro Antonio Silva Bonfim foi testemunha de muitas histórias. A dele, ele espera ainda poder contar comemorando. “Sonho ainda pegar um diamante grosso ainda. No dia em que eu botar a mão numa pedra de 16 quilates, 20 quilates eu paro de trabalhar no garimpo”, garante.
Os garimpos manuais ainda são maioria nesse trecho do rio. Os mecanizados foram expulsos pelos órgãos ambientais, mas deixaram cicatrizes horríveis. A praia é uma herança das dragas. As águas tiveram que fazer um outro caminho para seguir adiante.
O rio Santo Antonio é o maior afluente do Paraguaçu. Ele é navegável em mais de 30 quilômetros de sua extensão. No ponto em que ele deságua é preciso desembarcar. Justamente onde a navegação deveria ser fácil.
O Santo Antonio denuncia o crime que sofreu. Nem com a ajuda do Paraguaçu ele consegue esconder o assoreamento.
Hoje, como parte dessas águas não passa pelo banco de areia, a área acabou virando cartão postal. São os Marimbus de Andaraí.
Do alto, um pequeno pantanal. A paisagem surpreende pela beleza e a vegetação aquática cresce exuberante. As árvores enfeitam a paisagem, mesmo embaixo d'água, resistem.
A vitória régia baiana é bem menor que a Amazônia, mas bonita. Pelo menos neste ponto, os guias de turismo não reclamam dos garimpeiros. “Nós temos muitas lagoas formadas por esses assoreamentos e é bonito e elas se completa com as lagoas antigas que existe aqui nesse mini-pantanal”, conta o guia.
O Paraguaçu segue o seu rumo. Mais adiante, no município de Nova Redenção, ele passa perto de oito assentamentos.
Há 24 anos, cada família recebeu do Governo Federal um lote de 30 hectares. Alguns assentados já foram embora. Segundo Rosalvo Oliveira, presidente da Associação Comunitária, os que ficaram esperam até hoje o que o Incra prometeu.
“Várias vezes tivemos reuniões para vir irrigação aqui para dentro, para a gente trabalhar, só que não veio, só que não veio. O rio está perto, mas cadê, como é que você puxa água de lá para aqui, como é que você puxa sem condições?”, reclama Rosalvo Oliveira.
Em outro lote, no mesmo assentamento, a colheita do tomate nunca falha. O lote foi arrendado por um empresário que bancou o projeto de irrigação. O assentado, de dono do lote, virou empregado. A situação só não é pior porque as famílias dos assentados ganham um dinheirinho com o turismo. A fonte de renda alternativa é uma atração deslumbrante.
Um afluente misterioso do Paraguaçu fica a cem metros da superfície da terra, um riacho subterrâneo. A água impressiona, de tão cristalina. A cor azul vem do sol refletido nas paredes de calcário. O banho e a visitação são permitidos pelo Ibama.
Sobre a reclamação da falta de projetos de irrigação em Nova Redenção, o Incra informou que parte dos assentados dessa região foi beneficiada com dinheiro do antigo programa de crédito especial para reforma agrária, o Procera, mas algumas famílias aplicaram os recursos em outros projetos, como pecuária e lavoura, e não em irrigação.