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A poucas semanas do início da Rio+20, esse programa de incentivo do governo dá marcha à ré na posição brasileira sobre mudanças climáticas. Por Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos Com uma anunciada greve de metrô e com linhas de trem também paradas, São Paulo amanheceu congestionada nesta quarta-feira (23/5). Muito mais carros do que as ruas comportam estão circulando, tornando difícil a vida até de quem não tem carro. Com a greve, o sistema de ônibus ficou sobrecarregado, os veículos já deixam os pontos iniciais superlotados e demoram o dobro do tempo para percorrer o mesmo trajeto, revoltando o usuário. Muitos ônibus foram apedrejados, a polícia precisou intervir em alguns terminais da cidade e muita gente não chegou ao trabalho hoje.
Esta é apenas uma breve descrição do trânsito da capital paulista, num dia mais conturbado. Para alguns, pode parecer “natural” que, sem metrô, o número de carros nas ruas aumente. Na verdade, não precisaria ser assim, se fosse dada prioridade ao transporte público. Não é o que ocorre.
Não vamos entrar no mérito do movimento grevista. Mas é certo que a paralisação já vinha sendo anunciada pela própria categoria há vários dias. Depois de oficializada a decisão, a prefeitura anunciou algumas medidas para enfrentar o problema: cancelamento do rodízio de carros nos dias de greve, colocação de mais ônibus e extensão do trajeto de linhas. As medidas mostraram-se insuficientes para dar conta do problema. O número de carros nas ruas promoveu o maior congestionamento da história da cidade e os ônibus não deram conta da demanda dos usuários.
Um dia como o desta quarta-feira poderia ter um efeito transformador entre os tomadores de decisão na iniciativa privada, nos governos e nas entidades da sociedade civil. Poderia fazer com esses três setores se reunissem para encontrar uma saída possível à alternativa caótica de hoje.
A consultoria McKinsey lançou um relatório em abril passado, com o título de Construindo Cidades Globalmente Competitivas: a Chave para o Crescimento Latino-Americano. Nesse estudo, a consultoria mostra que São Paulo pode se tornar a cidade mais rica do continente em 2025 e a sexta do mundo, superando Paris. Mas, para chegar a tanto, precisará equacionar melhor problemas como falta de habitação decente para todos e os incansáveis congestionamentos.
Na mesma pesquisa, a McKinsey revelou que, para o paulistano, a prioridade número um é o transporte coletivo. Ideias não faltam. Mas é preciso começar a pô-las em prática para que seja comprovada sua eficiência.
Marcha à ré
Mudar o modo como as pessoas se movimentam na cidade, transferindo o foco do transporte individual para o transporte público é tarefa complexa. O carro precisaria deixar de ser um ícone de bem-estar e de status, como é hoje. Andar de transporte público, muito diferente e de mais qualidade que o atual, precisaria virar algo “chique”. Valores da nossa civilização também teriam de ser revirados para dar suporte à decisão do cidadão. E a economia, repensada, pois a indústria automotiva teria menos peso na riqueza de um país do que tem hoje.
Um programa do governo federal seria sempre um excelente início. Nos Estados Unidos, por exemplo, como condição para recuperar a GM e outras montadoras, o governo definiu como contrapartidas a mudança dos motores, de petróleo para eletricidade e que os novos modelos fossem “recicláveis”, ou seja, pudessem ser desmontados para que as peças sejam reaproveitadas na linha de produção.
No Brasil, em 2008, também para combater a crise financeira, houve redução do IPI para carros, por um período determinado. Mas sem contrapartidas de nenhum tipo.
Agora, novamente em razão da crise europeia, o governo federal lançou novo programa de incentivo a carros no Brasil, por tempo indeterminado e sem contrapartidas. A poucas semanas do início da Rio+20, este programa de incentivo dá marcha à ré na posição brasileira sobre mudanças climáticas.
O elenco de medidas anunciado pelo governo esta semana beneficia tanto os carros flex como os movidos a gasolina, proporcionalmente. O carro elétrico, que vem sendo desonerado de impostos em todos os países do mundo, aqui no Brasil vai recolher a maior carga de impostos, por ser importado. (Não poderia haver incentivo para sua produção no país?)
O governo também reduziu a taxa de juros para financiamento de carros e caminhões. No caso dos caminhões, os estoques subiram porque entrou em vigor a lei de redução dos poluentes para veículos a diesel. O custo da nova tecnologia elevou o preço do caminhão. Tomara que esse incentivo faça, então, as vendas aumentarem.
No mais, nenhum incentivo à inovação, quer para reduzir emissões de carbono, quer para desenvolver novas soluções de mobilidade que não sejam o automóvel.
Novamente, uma visão de curto prazo que atende interesses específicos conseguiu se sobrepor a uma visão de futuro, na qual a mobilidade dos cidadãos depende de um transporte coletivo que garanta o acesso a todos os lugares e seja a base de uma sociedade mais igualitária, calcada numa economia inclusiva, verde e responsável.
23/5/2011