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Brasil é o segundo país do mundo, atrás dos EUA, no ranking de lançamento de novas embalagens por ano
Ruim com elas? Pior sem elas. Se há muito tempo as embalagens fazem parte da cultura humana, nos dias de hoje elas são praticamente indispensáveis. Feitas de aço, papel, vidro, plásticos e até de madeira e tecidos, elas têm como primeira função proteger os produtos e, no caso dos perecíveis, evitar a sua contaminação e prolongar a sua validade. Mas não é só isso. As embalagens também facilitam o transporte e a armazenagem da carga, além de servirem como poderosos meios de informação para o consumidor. Já que é praticamente impossível acabar com as embalagens, parece mais sensato entender como funciona sua cadeia produtiva – desde sua fabricação até o descarte – e buscar formas de equilibrar a equação “desenvolvimento, homem e meio ambiente” a partir de seus processos. O começo da conversa O mundo das embalagens tem envolvido processos tecnológicos cada vez mais sofisticados, principalmente no que diz respeito à conservação de alimentos ou de produtos da indústria farmacêutica. Nesse cenário de pesquisa e inovação de materiais, instalou-se entre especialistas do setor uma reflexão crítica instigante: além da onda de novos materiais naturais que começam a surgir, quem pode afirmar que aquelas renováveis ou biodegradáveis são melhores do que as outras? “Há de se tomar cuidado com as ‘pílulas’ de sustentabilidade”, alerta Bruno Pereira, professor do Núcleo de Estudos de Embalagens da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Eloísa Garcia, engenheira de produção do Centro de Tecnologia de Embalagens do Instituto de Tecnologia de Alimentos da Secretaria de Agricultura de São Paulo (CETEA), concorda com o pesquisador. Para ela, a cautela é a melhor dica quando se trata de passar receitas ecológicas sobre embalagens feitas de materiais biodegradáveis, renováveis ou recicláveis. A afirmação de Eloísa ganha respaldo na opinião de outra especialista da área, Silvia Rolim, engenheira química e assessora técnica da Plastivida Instituto Sócioambiental dos Plásticos, uma organização de referência nacional no que diz respeito a assuntos ligados ao plástico. “O título biodegradável não garante nada para absolutamente ninguém”, alerta ela. “O descarte de forma inadequada do plástico biodegradável pode torná-lo tão nocivo para o meio ambiente quanto o convencional”, explica. No entanto, os especialistas valorizam o vanguardismo tecnológico que a área de embalagens alimentícias agrega à pesquisa científica. Segundo Eloísa, o setor vem conquistando avanços consideráveis desde os anos 1980. “Antes disso, não havia ainda mercado consumidor que justificasse investimentos financeiros em inovações”, explica. Assim, o Brasil se tornou um dos grandes destaques mundiais nesse campo. O país é hoje o segundo no ranking de lançamento de novas embalagens por ano, atrás apenas dos Estados Unidos. De acordo com dados do Laboratório Global de Embalagem da ESPM, foram mais de 20 mil lançamentos no ano passado, no qual 48% desse total eram voltados para o setor alimentício. Tecnologia e inovação Se de um lado ainda há um grande ceticismo ao associar embalagens à sustentabilidade, certo é que a busca por soluções que contemplem o meio ambiente são hoje abraçadas como oportunidades. “Conceitos antigos, porém de ponta, estão finalmente entrando na casa do consumidor. É o caso de pesquisas com materiais feitos à base de etanol”, explica a especialista Eloísa Garcia. O premiado pote da margarina Cyclus Nutrycell, da transnacional Bunge, por exemplo, é feito com a resina PLA (poli-ácido láctico), obtida a partir da fermentação do amido de milho. Segundo o fabricante, o produto se degrada em 180 dias, desde que em condições adequadas de compostagem, e não contamina o solo. A caixinha foi recebida com tão bons olhos que, em 2009, conquistou o prêmio máximo da World Packaging Organization (WPO – entidade mundial do setor). No Brasil, faturou as premiações da revista especializada Embanews e da Associação Brasileira de Embalagem (Abre). O fato de uma embalagem do setor alimentício ter esse destaque todo pode não soar como nenhuma surpresa para quem é do ramo. Afinal, junto com as bebidas, os alimentos respondem por 60% de todos os invólucros disponíveis no mercado mundial. Devido às peculiaridades de seus produtos, como risco de contaminação e prazo de validade relativamente curto, essa indústria teve que correr atrás da grande sofisticação tecnológica que hoje detém. O resultado é que, na área de empacotamento, esse setor é referência para todos os outros. Oportunidades e ações Esses avanços todos e os benefícios que os acompanham não acabam com um dos maiores problemas causados em consequência do grande uso de embalagens pela sociedade contemporânea, e apontado no início dessa reportagem: o lixo. No Brasil, são produzidos diariamente 240 mil toneladas de resíduos sólidos. Pouco mais da metade desse volume vem dos domicílios. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, as embalagens respondem por um terço de todo o lixo doméstico. Mas talvez a pior informação vinda desse cenário desolador esteja relacionada ao descarte de todo esse material. Dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que metade dos centros urbanos ainda deposita esses resíduos em lixões, espaços com pouco ou nenhum cuidado ambiental, e menos de 50% deles possuem programas de coleta seletiva, utilizando apenas 10% do potencial do mercado da reciclagem. Em resumo, o país joga muito dinheiro fora. Apesar dos dados pouco animadores, o poder público e a iniciativa privada buscam, aparentemente, formas de solucionar o problema. Uma delas é a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Ainda em fase de regulamentação, a lei obriga todos os municípios a criarem programas de destinação correta do lixo, no prazo de quatro anos. Para Eloísa Garcia, do CETEA, as ações previstas na PNRS, além de ajudar a resolver a questão do descarte, também contribuirão para que se reduzam imperativamente as emissões de gases do efeito estufa dos aterros e lixões. Com relação ao mundo corporativo, as empresas mostram cada vez mais preocupação com todas as etapas do ciclo de vida de uma embalagem. Vale destacar as ações da Tetra Pack para reciclar suas famosas caixinhas longa-vida. Recentemente, a empresa desenvolveu uma técnica inovadora para a separação dos três elementos que a compõem: papel, plástico e alumínio. A empresa também é responsável pelo hotsite Rota da Reciclagem [www.rotadareciclagem.com.br/index.html], que oferece informações úteis sobre coleta, reciclagem e educação ambiental. O recado da sustentabilidade já foi assimilado também por outros dois grandes players do varejo mundial: o Carrefour e o Walmart. “Os produtos de nossa marca virão embalados com dicas de sustentabilidade, que estejam ligadas ao cotidiano do consumidor, para que ele faça compras cada vez mais consciente”, afirma Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade do Carrefour no Brasil. Na Europa, a rede de supermercados utiliza um design diferenciado em suas embalagens, que reduz o volume e o peso do produto, tornando-o, de acordo com a companhia, ainda mais sustentável. Já o Walmart Brasil não apenas tem implementado a eficiência energética e a ecologia em suas lojas, mas também tem programas voltados às cadeias de produtos que distribui, envolvendo seus grandes fornecedores. O Programa “End to End – Sustentabilidade de Ponta a Ponta”, implantado em janeiro de 2010, contou com a adesão de empresas como 3M, Cargill, Colgate, Coca-Cola, J&J, Nestlé, Pepsico, Procter e Unilever. O conjunto de fornecedores representa mais de 40% do que é vendido nas lojas da rede. Com esse programa, a marca quer influenciar mudanças a partir das compras do dia a dia de seus clientes, propondo mudanças simples em produtos (da matéria-prima ao descarte) que resultem em grandes transformações pela preservação dos recursos naturais, o que inclui a adoção de metas globais nos pilares do clima, da energia, dos resíduos e dos produtos. Informação e consumidor bem embalados Porém, as embalagens devem ser percebidas de maneira global dentro dos processos produtivos de diferentes cadeias industriais. “A embalagem é uma ferramenta de otimização do todo, e não deve ser vista apenas sob a ótica da minimização de impactos de resíduos”, acredita Bruno Pereira. O pacote de um alimento importa desde a sua conservação até seu transporte, tornando-se, nas prateleiras do varejo, uma ferramenta de comunicação e de educação para a sustentabilidade. “Não queremos uma embalagem de menor impacto ambiental, mas de maior impacto para a sustentabilidade ao longo de todas as cadeias produtivas”, equaciona o especialista da ESPM. Para Silvia Dias, jornalista da área de sustentabilidade corporativa, as empresas são grandes responsáveis pelo trabalho de transformar informação em educação. “Qualquer profissional de marketing sabe que o principal canal de comunicação com o consumidor é a embalagem do produto. Ela comunica valores, percepções, emoções e também informações concretas, tais como nome e endereço do fabricante, composição química ou nutricional, canais de contato com o atendimento ao consumidor, etc. Mas se você prestar atenção verá que ela comunica outra coisa: o compromisso da empresa com a sustentabilidade”, argumenta. Mas tanto Eloísa Garcia, a pesquisadora de tecnologia, quanto Bruno Pereira, o pesquisador de marketing e sustentabilidade, acreditam que nem tudo o que “parece sustentável” chegará a ser. E, por isso mesmo, a educação do consumidor-cidadão é o elo a ser trabalhado daqui para frente. “O esforço deve ser conjunto, afinal, sustentabilidade é um conceito fácil de ser entendido, mas complexo de ser aplicado no cotidiano”, afirma o professor Pereira. Para ele, a gestão coordenada do problema, com visão sistêmica das cadeias de produção e consumo são chaves para a mudança de paradigmas em favor da sustentabilidade. Por Isabel Gnaccarini Fonte: Sesi (Publicado em 05/05/2011) |