por Valmir Gabriel Ortega (*)
Clique aqui para ver a entrevista com Valmir - "Conservação Internacional: o que define o caráter público das áreas protegidas é o acesso e não quem as opera"
Durante a década de 70, por conta de regras impositivas, os municípios brasileiros podiam acessar recursos federais para infraestrutura somente se tivessem plano diretor urbano. Essa imposição fez com que rapidamente se criasse um amplo mercado de prestadores de serviços e muitos municípios brasileiros rapidamente concluíram seus planos diretores.
Na década seguinte, o processo constituinte, associado a uma crescente mobilização da sociedade, deu visibilidade e audiência a uma qualificada crítica desse processo de planejamento urbano, marcado até então pelo ritualismo burocrático, pela elaboração de planos que “ficavam no papel” e que sempre continham altas doses de idealismo.
No geral, a leitura naquele período sobre as cidades “planejadas” pelos planos diretores, era de que a desordem urbana era mera consequência da ausência de planos, a favela era um desvio regulatório, a especulação e a atuação do mercado imobiliário estavam a espera de regulação pública para serem resolvidas. Enfim, tudo poderia ser resolvido pelo “plano”.
Em grande medida, os atuais planos de manejo de unidades de conservação são os nossos “planos diretores” da década de 70. Neles abundam diagnósticos, levantamentos de campo, programas e muitas boas ideias. Falta aderência à realidade. Como se costuma dizer, o plano é ótimo, mas falta pessoal, capacidade de gestão, orçamento, apoio político, compreensão das comunidades, etc, etc, etc.
Esse cenário é o melhor dos mundos para um prestador de serviços. Vender a elaboração de um plano que não será exposto ao teste de realidade é a garantia de vender um ótimo produto, de qualidade inquestionável. O problema nunca é do plano, nem do roteiro metodológico, muito menos da equipe que elaborou, avaliou e/ou aprovou o produto final. Enfim, o problema é sempre da realidade, que, teimosa, insiste em oferecer resistência ao “plano”.
Como então enfrentar esse problema? Um primeiro passo, como em qualquer terapia, é assumir que temos um problema.
Os atuais planos de manejo têm uma dupla natureza: de um lado, têm a pretensão de serem instrumentos de suporte à gestão e ao gerenciamento da unidade de conservação; de outro, de serem instrumentos normativos, definindo o zoneamento e o regramento de usos e manejo de cada uma das zonas. Ou seja, exige-se, ao mesmo tempo, agilidade e adaptabilidade, algo intrínseco à gestão, e perenidade e constância, algo próprio da norma.
Uma forma possível de enfrentar o desafio de atualização desse instrumento é a separação dessas duas naturezas distintas, embora, devamos reconhecer, elas estão intrinsecamente relacionadas. A boa notícia é que, além de várias iniciativas que vêm sendo discutidas em órgãos gestores estaduais, o ICMBio, órgão gestor federal responsável por mais de 300 unidades de conservação, resolveu enfrentar esse tema e está promovendo uma profunda reflexão sobre como desenvolver novas formas e novos caminhos para formulação e aplicação desse instrumento tão fundamental que é o plano de manejo.
Esperemos que venham as boas novas.
* Valmir Gabriel Ortega é Diretor Sênior de Política da Conservação Internacional do Brasil, já tendo exercido os cargos de Diretor de Ecossistemas do IBAMA e Secretário de Meio Ambiente do Estado do Pará.
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