14/04/2013 - 02h00
O triste fim da primeira árvore
CHICO FELITTI
DE SÃO PAULO
http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/1261548-o-triste-fim-da-primeira-arvore.shtml
"Dos filhos deste solo. És mãe gentil, pátria amada, Brasil", diz o hino de um país que eu vi nascer. Sou filha deste solo. Nasci sem ser planejada num terreno baldio que beirava a serra do Mar. Mas, hoje num terreno baldio e perigando tombar, ainda não tenho certeza de que minha pátria seja uma mãe gentil.
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A começar que vi muita tristeza na minha vida -que tem mais de 200 anos mas ninguém sabe com precisão quando começou. Nasci no ponto exato onde terminava a cidade de S.Paulo e começava a estrada que levava para o interior ou para Santos.
Árvores de São Paulo
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Felipe Russo/Folhapress
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Figueira-brava (Ficus organensis) - estrada das Lágrimas, altura do número 515, Sacomã, zona sul de São Paulo
Era sob a minha sombra que soldados se despediam das esposas, mães dos filhos que iam se formar bachareis. Eram abraços, beijos e chororôs mil. Por isso me apelidaram Figueira das Lágrimas.
O viajante Emilio Zaluhar, no seu livro "Peregrinação pela Província de São Paulo", de 1862, já me pinta com palavras: "Pouco mais adiante do Ipiranga encontra-se uma belíssima figueira brava, cujos galhos bracejando em sanefas de verdura, formam um bonito dossel em toda a largura da estrada. É este o sítio das despedidas saudosas".
Mas era também o ponto dos retornos triunfais. Eu vi D. Pedro I voltando de Santos em 7 de setembro de 1822.
Só que os quase 200 anos entre a independência do país mudaram São Paulo muito. Estou bem longe de onde é o fim da cidade hoje. Fico num terreno baldio, na frente de uma oficina de motos e a poucos passos (de criança) de uma escola pública.
Ainda que cercada de casas, não recebo mais visitas. Ou quase: a motorista Yara Rodrigues Caldas, 57, passa quase todos os dias para me ver. Ela mora na mesma estrada das Lágrimas e vem me regar. "Até converso um pouco", confessa.
Outros vêm me ver. Pelas razões erradas: a placa de bronze que me identificava como parte da história nacional (e que eu considerava uma medalha de honra ao mérito) me foi roubada.
ÁRVORES DE SÃO PAULO |
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No ritmo da preguiça |
O triste fim da primeira árvore |
Um pé livre |
Ganhei, em compensação, uma vizinha no terreno baldio. É um pé de Ficus Benjamina,espécie de parente distante meu, que veio lá da Malásia.Só que, por estarmos perto demais, competimos por luz, água e nutrientes. Ela é jovem, deve ter uns 40 anos. E eu, no alto de dois séculos, tenho de competir para viver.
A prefeitura diz que vou bem. A quem pergunta, afirma que eu recebo "adubações orgânicas e mineral e irrigação complementar de acordo com o regime de chuvas". Para eles, tenho "bom aspecto e vigor vegetativo". Convido quem estiver lendo para ver esse viço todo, quase sem folhas e me apoiando sobre um muro que rui.
Não chorem. Ou, melhor, chorem sim, como vêm fazendo por alguns séculos, mas desta vez pela árvore em si, e não por algo embaixo dela.
Figueira-brava (Ficus organensis) - estrada das Lágrimas, altura do número 515, Sacomã, zona sul de São Paulo
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