O pequeno país latino-americano da Costa Rica chegou à 18.ª Conferência do Clima da ONU, realizada em Doha (Catar) no fim do ano passado, com um bule de café em uma das mãos e uma ambição de combate às mudanças climáticas inversamente proporcional às suas emissões de gases de efeito estufa na outra.
Responsável por 0,02% das emissões globais desses gases, o país defendeu para as outras partes seu modelo de desenvolvimento, que tem como meta neutralidade de carbono até 2021. O cafezinho servido no evento árabe foi o primeiro produto do país a alcançar esse certificado.
Em meio a um evento já notório pela falta de ambição - no ano passado, por exemplo, não se viu novas metas de redução das emissões -, os costa-riquenhos reafirmaram seu compromisso de reduzir suas emissões e de compensar com o plantio de florestas aquelas que não puderem ser reduzidas.
O plano não significa zerar as emissões. "Neutro não é livre", explica Mónica Araya, assessora da divisão de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente. O objetivo é chegar a 2021 sem aumento de emissões na comparação com valores atuais.
Se nada fosse feito, a expectativa era de que as emissões no país saltariam de 12 milhões de toneladas de CO2 equivalente, em 2005, para 21 milhões de toneladas em 2021. Só para comparação, a emissão brasileira atual é de 2,2 bilhões de toneladas.
A intenção é evitar que isso ocorra. Para tanto, só nos dois principais setores alvo de reduções - transporte e agricultura - o desafio é reduzir suas emissões em 4 milhões de toneladas neste período.
Bicentenário. O anúncio, feito em 2009 - último ano de mandato do então presidente Oscar Arias -, teve um quê também de nacionalismo. Em 2021 são comemorados os 200 anos de independência do país em relação à Espanha. "A ideia foi aproveitar o marco para alcançarmos outro tipo de independência - a dos combustíveis fósseis", conta Mónica.
Por trás do idealismo, porém, havia uma motivação bem mais prosaica. Nos anos anteriores ao anúncio já havia uma percepção incômoda de que a maior parte das divisas obtidas com turismo estava sendo gasta com a compra de combustíveis. Uma contradição visto que o próprio crescimento do turismo havia se dado por um avanço da compreensão no país de que valia a pena investir nas riquezas naturais do país para atrair visitantes.
Quando boa parte do mundo ainda nem pensava em aquecimento global, a Costa Rica nos anos 1970 começou a investir em seus parques nacionais. Na sequência, uma série de outras ações na área ambiental, como o pagamento por serviços ambientais para evitar o desmatamento, foram moldando o comportamento do país (mais informações nesta página).
"Ao contrário do típico debate que vemos muito nas negociações internacionais, de países em desenvolvimento falando que as questões climáticas são um obstáculo e são vistas como algo injusto, que vai barrar o desenvolvimento, na Costa Rica as pessoas passaram a encarar a questão como uma oportunidade de diferenciação. Ter uma marca verde se tornou estratégico", afirma Mónica.
Esses antecedentes e uma série de discussões que começaram em 2006 a fim de promover uma mudança estrutural no país levaram ao anúncio da meta em 2009, às vésperas da Conferência do Clima da ONU, da qual se esperava um acordo global de redução de emissões. Foi tudo muito rápido e só depois se percebeu que na prática ser carbono neutro era um pouco mais complicado do que se imaginava.
Levou cerca de um ano, por exemplo, o trâmite para a criação da norma costa-riquense que dá as regras a serem seguidas por quem quer ter produtos agrícolas que possam ser chamados de carbono neutro. Hoje, porém, esse é o setor que tem mais possibilidade de acelerar a agenda de carbono neutro.
Para a COP em Doha, o Ministério da Agricultura apresentou várias ações que estão sendo feitas por produtores de café, cana de açúcar, banana, leite e carne. São alterações diversas no modo de produção, que vão desde reduzir o uso de fertilizantes e mudar a dieta do gado a fim de emitir menos metano até a implementação de sistemas agroflorestais.
Nas fazendas de café, por exemplo, começou a ser adotado o plantio dos pés à sombra de árvores nativas, com a colocação de até 100 árvores por hectare, o que aumenta o potencial de compensação das emissões.
Abalou o país a divulgação do Informe do Estado da Nação, de 2010, que trouxe previsões de redução de 50% no nível de chuvas na região do Pacífico Norte para o período de 2071 a 2100.
"Pela primeira vez na história da Costa Rica, as mudanças climáticas deixaram de ser só um tema do Ministério do Meio Ambiente", conta Mónica.
Gargalo. A maior dificuldade está sendo mudar o setor de transporte, justamente o maior produtor de gases-estufa do país, responsável por 69% das emissões nacionais.
Está sendo desenhado um conjunto de soluções, como melhorar a eficiência dos ônibus e aumentar a oferta de transporte público, criar um controle mais estrito para a regulação das emissões, temporariamente substituir petróleo por gás natural e, para longo prazo, a ambição maior - eletrificar a frota, inclusive os táxis.
Algumas companhias, porém, ainda estão oferecendo resistência às mudanças, o que já levantou a suspeita no país de que o carbono neutro possa não ser alcançado até 2021. Talvez não seja até o bicentenário, como queria Arias, mas a Costa Rica tem feito sua lição de casa.