O britânico que difundiu o conceito de marcas de países disse que a reputação da marca Brasil é fortíssima e crescente, mas alertou para o perigo de que o país prometa demais e acabe por decepcionar.
O britânico Simon Anholt, que presta consultoria sobre o assunto a governos, acredita que o Brasil pode acabar repetindo o feito da África do Sul, que, após sediar a Copa do Mundo, caiu vários pontos no ranking anual de marcas de nações criado por ele.
Desde 2005, Anholt vem publicando um ranking que lista os países pelo peso com que sua marca é percebida pelos mercados. O ranking atual é liderado por Estados Unidos, seguido de Alemanha e França, o Brasil ocupa a vigésima posição.
Ele se diz apaixonado pela marca Brasil, mas acha que ela não é apropriada para um país que deseja se projetar internacionalmente como uma potência econômica e política. Para ele, o mundo tem que aprender que o Brasil não é só atraente, simpático e caloroso.
Em entrevista à BBC Brasil, o consultor, que em 2010 visitou o Brasil duas vezes para fazer conferências, explicou por que hoje rejeita a apropriação do conceito de marca de país por empresas de marketing.
BBC Brasil - O senhor acaba de retornar do México, onde deu consultoria ao governo mexicano sobre como melhorar o desempenho da marca México. Como foi a experiência?
Simon Anholt - Esse vocabulário me deixa nervoxo. Eu reconheço que criei o termo nation branding há 20 anos, mas isso não tem nada a ver com marketing ou comunicações. Passei seis meses trabalhando com o presidente (mexicano Felipe) Calderón e seu governo na criação de estratégias de diplomacia, relações públicas e turismo internacional para apresentar o México ao mundo e melhorar suas relações com o resto do planeta.
BBC Brasil - Por que o senhor mudou de ideia?
Anholt - Mudei de ideia há anos. Não tenho objeções ao uso do conceito de imagem, de marca, em relação a um país. O problema é que o termo deu margem ao desenvolvimento de toda uma indústria. É desonesto.
Hoje você tem empresas de propaganda, relações públicas e design vendendo logotipos, campanhas e slogans caríssimos a países, dizendo que isso vai mudar sua imagem. Isso acontece muito na África, onde nações desesperadamente pobres gastam milhões em campanhas inúteis. Não há evidências de que terão qualquer efeito. Um país tem a reputação que merece. Se um país quiser mudar sua reputação, terá de mudar seu comportamento.
BBC Brasil - Qual é a situação do Brasil no ranking de marcas de nações feito por você?
Anholt - O desempenho do Brasil tem sido notável desde que comecei a compilar o ranking, em 2005. E vale dizer que rankings desse tipo são muito estáveis. As pessoas não mudam a imagem que têm de um país de um ano para o outro - isso acontece muito lentamente, de uma geração para outra. Mas o Brasil é uma exceção, vem subindo posições no ranking ano a ano.
Meu ranking mede a reputação de 50 países, e o Brasil é o único país em desenvolvimento incluído nas 20 primeiras posições, subiu para a posição 20 em 2010. Todos os outros países nas Top 20, à exceção do Japão, são nações ocidentais ricas. O Brasil tem também a marca mais forte dos Brics (nome dado ao grupo das potências econômicas emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China), logo acima da Rússia, e está algumas posições na frente da China e da Índia.
BBC Brasil - A emergência do Brasil como uma potência econômica influencia a marca?
Anholt - A reputação do Brasil é cada vez mais forte, em parte como consequência do crescimento do seu poder econômico, mas também como um reflexo do soft power, ou seja, fatores como a Copa, as Olimpíadas e a reputação de Lula. A marca Brasil é popular. É colorida e atraente, e as pessoas admiram o estilo de vida brasileiro. Mas o país precisa ser muito cuidadoso porque, na minha opinião, está prometendo demais.
Vejo um paralelo com o que aconteceu com a marca África do Sul depois da Copa do Mundo. Desde o fim do apartheid, o país vinha reinventando sua marca, mandando para o mundo mensagens de uma sociedade transformada, ignorando questões como a pobreza e a desigualdade. Mas, durante a Copa do Mundo, as equipes de TV do mundo inteiro registraram a realidade do país e isso provocou um choque.
Por conta disso, houve um reajuste na percepção das pessoas. A minha pesquisa mostra que desde então a imagem da África do Sul piorou. E eu acho que o mesmo pode acontecer com o Brasil. O Brasil continua sendo um país de desigualdade e pobreza, mas finge ser desenvolvido, igualitário e sofisticado.
Acredito também que a imagem do Brasil que emerge da minha e de outras pesquisas não seja a imagem correta. Samba, futebol e um estilo de vida tropical e festeiro são decorativos, mas não muito úteis se o país quiser ser reconhecido como um poder econômico, político e industrial.
BBC Brasil - Como poderíamos usar os atributos positivos da marca para vender tecnologia e ciência brasileiras?
Anholt - Não uso as palavras vender, promover e comunicar, porque dão a impressão de que estamos vendendo sabão em pó, e países não funcionam dessa forma. Não se trata disso, mas de mudar suas políticas externa e doméstica para que você possa se tornar relevante para os povos do mundo.
(Conferências de meio ambiente) criaram uma imagem positiva do Brasil. Essa imagem pode ser verdadeira ou não, mas se o Brasil quiser manter essa reputação, tem de provar que está fazendo sua contribuição para a humanidade, que está interessado em questões relevantes para o planeta. No momento, o Brasil exerce um papel decorativo, é uma atração turística, produz uma cultura maravilhosa, mas não muito relevante.
BBC Brasil - Se o senhor estivesse aconselhando o governo brasileiro sobre formas de mostrar ao mundo que somos também uma potência tecnológica e científica?
Primeiro você tem de se perguntar se as pessoas estariam dispostas a acreditar nisso, porque essa ideia contradiz a imagem que o mundo tem do Brasil. O fabricante de aviões Embraer sabe muito bem que se quiser comunicar aos passageiros de um avião - e não aos seus parceiros comerciais - que uma aeronave foi fabricada no Brasil, as pessoas vão se recusar a acreditar ou vão ficar bastante alarmadas. Isso é um bom indicador do problema de imagem que o Brasil tem. Ela não é confiável.
Além disso, empurrar um setor não é tarefa do governo. Isso é tarefa das empresas, que têm de fazer a ciência e produzir produtos confiáveis. O papel do governo é muito maior. Se eu estivesse sentado no gabinete de Dilma (Rousseff) hoje, perguntaria a ela: "Para que serve o Brasil? Qual é a contribuição do Brasil para o mundo e para a humanidade?". Uma vez respondidas essas perguntas, é possível criar-se estratégias e investimentos. A reputação vem daí.
BBC Brasil - Em entrevistas anteriores à BBC você afirmou que o Brasil tem uma das marcas mais poderosas do planeta. Você ainda acredita nisso?
Anholt - Sim, mas não acho que é a imagem certa. Ela é perfeita para um país que deseja ser o destino turístico perfeito, mas não é adequada para o papel que o país deseja desempenhar no futuro. Não me entenda mal, em comparação com a maioria dos outros países, a reputação do Brasil é maravilhosa, apenas é um pouco inadequada.
O mundo precisa aprender que o Brasil não é só atraente, simpático e caloroso. Vocês precisam provar que são atraentes e confiáveis. Isso é difícil. Na maioria dos casos, ou o país é chato e confiável, como a Alemanha, ou é atraente e caótico, como o Brasil e a Itália. Mas há exceções. A Suécia, por exemplo, é atraente e sexy, mas também é competente.
O Brasil já tem meio caminho andado. A reputação do país faz com que as pessoas gostem dos brasileiros. E o fundamental é que se as pessoas gostam de você, vão querer fazer negócios com você. Cabe às próximas gerações provar que vocês são sérios. É um processo lento, que acontece de uma geração para outra. Mas dá para ser feito.
O ranking Anholt-GfK Roper Nation Brands Index de 2011 será publicado no outono britânico (primavera no Brasil).