Em 2010, quando foi feito o último censo nas universidades, o número havia subido para quase 200 000. Em teoria, portanto, o número de formados vai crescer naturalmente nos próximos anos. O outro desafio — bem maior —, aprimorar a qualidade, só se resolve com trabalho duro.
A melhoria requer não apenas a revisão do currículo dos cursos como também medidas na base da educação nacional: a criação de condições para que estudantes com aptidão para matemática e ciências possam florescer desde a infância.
“Faltam professores de exatas e há muita gente despreparada lecionando nos níveis fundamental e médio”, diz José Roberto Cardoso, diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. “Muitos estudantes têm graves deficiências em matemática e física, essenciais na formação de um engenheiro.”
A falha na formação cria três problemas. O primeiro deles é a desmotivação diante de números e fórmulas ainda na infância, o que faz com que a maioria se volte para disciplinas como história e geografia. Por causa do ranço com a matemática, apenas 13% dos estudantes que concluem o ensino médio encaram cursos de engenharia, enquanto 40% buscam a área de humanas.
O segundo efeito colateral da má-formação é a evasão depois de iniciado o curso. Estima-se que 40% dos estudantes que escolhem engenharia não se graduam, porque têm dificuldade para acompanhar disciplinas como cálculo. O terceiro problema afeta diretamente as empresas.
De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, com base nas notas do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, a maioria dos engenheiros se forma com aproveitamento medíocre. Entre os que concluem os 867 cursos das faculdades públicas de engenharia, 51% têm desempenho médio ou insatisfatório.
A situação é pior nos 1 364 cursos das escolas particulares: quase 90% têm nota mediana ou insatisfatória. Esses profissionais ingressam no mercado com tantas deficiências que, não raro, só podem ser aproveitados após receber uma boa dose de treinamento do empregador.
Uma pesquisa com médias e grandes indústrias revelou que os engenheiros recém-formados têm limitação para se comunicar, assumir a gestão de projetos e exercer liderança. A maioria não tem espírito empreendedor nem consegue trabalhar em equipe. A pior nota foi no item habilidade para realizar pesquisa, fator essencial na criação de tecnologia.
É um perfil bem diferente do apresentado por estudantes de engenharia nos centros mais avançados do exterior. Veja o caso da brasileira Isabel Pesce, de 24 anos. Ela concluiu o ensino médio no Colégio Etapa, em São Paulo, e decidiu fazer engenharia fora do país.
Escolheu o MIT, a segunda melhor instituição de ensino de engenharia no mundo — e foi aceita. Durante o curso de engenharia elétrica, Isabel fez estágios no Deutsche Bank, na Microsoft e no Google. Após um ano de formada, em agosto de 2011, fundou, no Vale do Silício, na Califórnia, sua própria empresa, a Lemon.
Um de seus produtos — um aplicativo para cálculo de finanças pessoais em smartphones — é um sucesso: registrou mais de 1 milhão de downloads. Isabel ganhou projeção ao publicar o livro A Menina do Vale, onde narra a paixão pelo empreendedorismo.
Boa parte de seu impulso profissional pode ser atribuída às disciplinas extras do MIT, que lhe deram conhecimento em ciência da informática, matemática, administração e economia e incentivaram seu espírito empreendedor nato. “O MIT entende que o engenheiro tem de criar e inovar, mas, se não souber explicar suas ideias, não tem como torná-las viáveis no mercado”, diz Isabel.
Hoje, poucas instituições brasileiras estão preocupadas em adequar o ensino às demandas globais — e não por acaso são as que já se encontram em posição de destaque. Uma delas é o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos, no interior de São Paulo.
O ITA, criado em 1950 por militares da Aeronáutica em parceria com o MIT, explica o fato de o Brasil ter desenvolvido a Embraer, a terceira empresa do mundo no sofisticado setor da produção de aviões. Dos 120 alunos que entraram no ano passado, 60 haviam sido premiados em olimpíadas nacionais de matemática, física ou computação.
No começo deste ano, o ITA assinou um novo acordo com o MIT para os próximos cinco anos. Estão previstos a troca de experiência acadêmica, a cooperação em programas de liderança e o intercâmbio de professores e alunos. A meta, ao final, é aproximar o currículo local ao do MIT para incentivar a inovação e o empreendedorismo.
Outra meta é ampliar as trocas com a iniciativa privada, apesar de a instituição já ter o diferencial de trabalhar com empresas como a Embraer. Neste momento, alunos e professores batalham lado a lado no desenvolvimento de um robô que irá fixar as placas de metal da estrutura dos aviões e semiautomatizar a produção.
“Queremos parcerias de longo prazo para fazer pesquisa e melhorar a relação com o mercado”, diz Carlos Américo Pacheco, reitor do ITA. Também está nos planos a ampliação das instalações para duplicar a oferta de vagas para 240 até 2015.
Empreendedorismo
Seguindo a lógica de que crises geram oportunidades, algumas instituições aproveitam as falhas nos cursos de engenharia para investir num ensino mais qualificado. Em São Paulo, o Instituto de Pesquisa e Ensino (Insper), uma das melhores faculdades de economia e administração do país, vai oferecer, a partir de 2015, três cursos de engenharia (mecânica, da computação e mecatrônica).
“Vamos completar nosso leque”, diz Claudio Haddad, sócio do Insper. “Teremos ensino de engenharia num ambiente favorável ao empreendedorismo, com a integração a nossos demais cursos.” O currículo tomou como inspiração a americana Olin College, uma das mais inovadoras faculdades de engenharia do mundo.
O programa tentará corrigir o que o mercado considera uma das maiores falhas do ensino brasileiro: manter os estudantes de portas fechadas para o mundo real.
“O principal problema da formação em engenharia no Brasil é que a academia fica distante do mercado”, diz Irineu Gianesi, diretor de novos projetos do Insper. “Já estamos firmando convênios com empresas para que esse intercâmbio comece o mais cedo possível.”
A proposta do Insper foi bem recebida. O projeto do curso (que inclui a construção de salas de aula e de laboratórios) foi estimado em 80 milhões de reais. Três quartos do valor já foram doados por empresas interessadas em se aproximar da nova escola.
Com a maioria das universidades brasileiras ensinando engenharia num modelo similar ao dos anos 60, está claro que o Brasil não acordou para a urgência e o desafio que tem pela frente. Veja o dilema chinês. A China investe na formação de engenheiros há três décadas.
Resolveu o entrave da quantidade e forma 600 000 por ano. Mas a qualidade não avançou na mesma velocidade. Praticamente metade dos alunos faz cursos técnicos de dois anos e os que cumprem os cinco anos entram no mercado com deficiências na formação.
Uma pesquisa da consultoria McKinsey com 83 multinacionais que atuam em países emergentes identificou que, de cada 100 engenheiros chineses, apenas dez têm formação adequada ao mercado.
Nesse quesito, os brasileiros estão em estágio parecido — 13 de cada 100 têm bom perfil. O melhor desempenho é o da Hungria: metade de seus engenheiros é bem formada. O risco, caso a defasagem não seja resolvida, vai além de ficar na rabeira tecnológica.
“Não há futuro sem inovação, por isso os países que não investirem na formação de engenheiros não vão prosperar”, diz Joel Schindall, do MIT. “Seus governos ficarão limitados a tratar os sintomas dessa ausência — baixo crescimento, desemprego, conflitos sociais —, em vez de investir na expansão de uma sociedade mais saudável, com mobilidade social e empregos qualificados em indústrias de ponta.” Ainda dá para o Brasil escapar dessa sina — mas é preciso correr.
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Traduzido Legendado Portugues.mp4
Enviado por VeCCon100
em 30/03/2011